8 mar 2009

Se não vou à Nicarágua, a Nicarágua vem até mim



Depois de Gioconda Belli, no dia 25 de fevereiro recebi um outro presente, dessa vez gigante. Conheci Ernesto Cardenal!! Ele veio dar uma palestra na Casa de América, e eu soube um dia antes, uma sorte. Foi muito emocionante, ele está bem velhinho, 84 anos eu acho, e chegou de sandália de couro (com o frio que está fazendo aqui!), boina, cabeça branquinha. Andando devagarzinho. Simples que ele só. E lindo. Tinha acabado de chegar de Managua e foi direto para a Casa de América. Falou sobre poesia, revolução, metafísica, humanismo... tudo ao mesmo tempo.

O título da palestra era “Somos polvo de estrellas”. A princípio tinha sido anunciado que seria um tema político, e o título era outro, “Niaragua tan violentamente dulce” (o mesmo de um poema que o Cortázar escreveu na época da revolução sandinista ), mas ele mudou na última hora. O homem está comendo o pão que Somoza amassou na Nicaragua. Com a volta de Daniel Ortega ao governo, o que parecia que poderia ser uma nova vitória sandinista não chega nem perto disso. Há tempos Ortega já não representa o Sandinismo que Cardenal e Gioconda Belli defendiam (por isso mesmo eles fazem hoje parte de outro movimento, junto com outros intelectuais - MRS, Movimiento de Renovación Sandinista). Bem, o Daniel Ortega “ressucitou” um processo judicial de muitos anos atrás, contra Cardenal, no qual ele foi acusado de calúnia e difamação a um empresário alemão. Não sei muito bem os detalhes, mas Ernesto contou que esse alemão fez “estragos” em Solentiname e que ele denunciou, claro. Então agora Ortega retoma essa processo e condena Cardenal (antes ele tinha sido absolvido!). A pena era prisão, mas por causa da idade não puderam prendê-lo. Cardenal ficou um tempo em prisão domiciliar e continua sofrendo represálias, teve as contas de email grampeadas e as contas bancárias bloqueadas. Dois dias antes de vir à Espanha confiscaram o computador de dentro da casa dele. Inacreditável.

E isso foi o máximo que ele pôde contar, porque disse que se continuasse falando ia sofrer ainda mais. Uma tristeza. A palestra foi linda, mas contida, cheia de “entrelinhas”. Ele é um senhor de idade, com as suas manias, não gosta de pousar para foto, nem coloca dedicatória pessoal nos livros... ( pelo menos não na maioria). Tentei tirar uma foto com ele, mas não teve jeito. Coloco aqui o que mais ou menos consegui. Mas o que importa é ter podido vê-lo.

Um padre que continua declarando-se comunista: “¡Fui, soy y seré comunista!” e que respondeu assim à pergunta do meu amigo venezoelado, Luis Carlos, sobre qual a sua relação com Chaves: “Cuestiono muchas cosas que Chaves está haciendo, ¡pero soy Chavista! ¡Por la revolución Bolivariana!”Ele não precisa, como outros, fazer média com ninguém. Ele está sofrendo no seu próprio país, mas continua corajoso, com a cabeça erguida, irônico e doce ao mesmo tempo, claro politicamente, forte, imbatível. Poeta, enfim. Dos que fazem poesia de verdade, cheia de plenitude e estrelas.

Viva Ernesto!

Bethania Guerra.
P.S.: Para entender melhor o que ocorre com Cardenal, leia:
http://ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=89678