8 mar 2007

De Juana

(Esta fue la primera entrada en mi antiguo blog)

Demorei em começar essa nova aventura mas estar longe da terra da gente gera uma necessidade de comunicação incontrolável, e acredito que os meios informáticos podem favorecer a profusão de idéias. O tema de hoje, o primeiro deste blog não poderia ser outro: política. Por quê não podia ser outro? Porque a política sempre fez parte de mim, e ultimamente minha relação com os fatos sociais do lugar onde estou vivendo estava sendo deixada um tanto de lado, não que meus pensamentos ou sentimentos sobre o aspecto sejam superficiais, mas não estava atuando sobre eles. E isso é ruim. Ruim porque creio que neste mundo de hoje (e no de todas as épocas) não podemos nos dar ao luxo de ficar "em cima do muro", especialmente quando o meio que te rodeia ferve de problemas sociais. E a palavra, essa deusa profana de textos imemoriais, é, sim, um meio de saltar a lama da inércia.

Na semana passada o preso Iñaki de Juana Chaos, membro da organização ETA, foi liberado do sistema de prisão que cumpria e “agraciado” com uma pena mais leve, em outras condições, especialmente para zelar por sua saúde, já que o cidadão (?) havia decidido fazer greve de fome.
Bem, as perguntas que te bombardeiam sempre que você tem uma atitude reflexiva sobre o tema são as mesmas. Mas senhores, por dios, não se trata de ser a favor ou contra a escarcelación do etarra. O buraco é bem mais em baixo...
O problema não está na decisão do governo “socialista” (até porque de socialista não tem nada), nem na bondade dos escoteiros do PP (até porque de bonzinhos eles têm menos ainda). As questões são mais profundas e ninguém se dispõe a colocá-las na mesa, nem uns nem outros (a divisão partidária no poder espanhol é muito estranha, e, no fundo resume-se a “uns e outros” realmente, o que é, também, muito ruim).
O problema do governo está na sua estruturação e no caráter do partido principal, que não é nem de longe, socialista, como disse, mas isso é tema para outro texto. O problema do terrorismo é histórico, social, organizacional, político, identitário, e profundo, sobretudo! Não se resolve com medidas penitenciárias, sejam elas quais forem. Desculpe dizer, mas negociar com ETA não resolve. Desculpe dizer também que os caçar, igualmente, não resolve. Mas então, tem jeito? Não sei, talvez. Mas não passa por esse sistema de coisas. Não passa por esse sistema de governo, e, sobretudo, por esta estrutura de país.
Não dá para manter uma monarquia como a espanhola em pleno século XXI. Quem engole isso? Eu não engulo. Não dá para tragar que a gravidez da princesa seja assunto para mais de um mês nos programas televisivos, que a atriz “fulana de tal” está saindo com o toureiro “fulanito de Jerez” que e isso seja tema de conversas na hora da janta. Só rindo.
Vamos a ver, voltando à vaca fria porque isso tudo já é outra discussão. Como dizia, o problema do terrorismo é muito mais denso e complexo do que eu e você possamos pensar ou ter bagagem para discutir. Então não se discute? Claro que sim, discute-se, diverge-se, mas também se deveria tentar, pelo menos, que essas discussões não estivessem baseadas em tanto senso comum.
Vamos tentar então ter um pouco de base para pensarmos.
As origens da organização ETA encontram-se no grupo de universitários EKIN (“empreender”, em euskera, vasco), fundado em 1952. A partir de 1953, o grupo toma contado com a sessão jovem do Partido Nacionalista Vasco, Euzko Gaztedi (EGI). Em 1956 os grupos se fundem, mas em 1958 divergências internas levam ao racha da organização, já que ETA defende uma ação de “resistência vasca”. Os principais pontos de seu programa, definido numa assembléia em maio de 1962, são: o “regeneracionismo histórico”, ao considerar a história do povo vasco uma construção nacional (interessante....); a definição da “nação” vasca através da LÍNGUA, o euskera, em vez de uma “etnia ou raça” (como defendia então o PNV); sua definição como laicos (contrastando com o catolicismo do PNV); a defesa da independência de Euskadi (País Vasco).
Bem, antes que alguém diga, afirmar que ETA é marxista ou leninista é dar prova cabal de uma profunda ignorância político-teórica, então não me venham com essa, por favor. Leiam O Capital primeiro, e pelo menos três livros de Lênin antes de dizer a besteira. Deixando bem clara esta parte, vamos aos princípios da organização, que são pra lá de interessantes. Se conhecemos algumas das obras essenciais para discutir hoje qualquer aspecto que englobe os termos “nação”, “território” ou “povo”, como são Comunidades imaginadas de Benedict Anderson ou Culturas híbridas de Nestor García Canclini, ou ainda O lugar da cultura de Homi Bhabha, poderemos falar melhor da questão, sem cair tanto no perigoso e já citado senso comum.
Essas obras nos dão pistas e chaves importantíssimas quando nos vemos perplexos diante da diluição de fronteiras, da falta de uma definição consensual sobre o que é uma “nação” ou um “território”. Os mais conservadores dirão “mas como??, uma nação é um país, ora pitomba!”. E eu digo: “É senhor??” “Então como se explicam os conflitos, por exemplo dos espanhóis, quando há pelo menos três idiomas oficiais em várias partes do país, quando a idiossincrasia dos habitantes os diferencia tanto ao ponto de haver propostas separatistas em pleno século XXI??” Se existem tais questões é porque precisam ser debatidas, é porque é preciso se debruçar sobre elas e deixar de lado de uma vez por todas os conceitos bolorentos, que não servem mais. Refazer as definições, as concepções de mundo e de território? E por que não? Tantos deles urgem ser questionados... América Latina, América do “Norte”, América em si.. e Espanha também.
Bom, voltando à vaca fria (de novo) e em greve de fome (agora não mais), o que ETA tem a ver com isso? Tudo. É sintomático e profundamente interessante que definam sua pátria através da língua (lembra-me até Caetano cantando“minha pátria é minha língua”, mas Caetano não é terrorista, pelo amor de Deus!:-), esta concepção é antiga na verdade, mas hoje é retomada como uma forma mais de reivindicar algo que foi perdido, que não pode ser deixado no olvido. Cataluña também reivindica seu idioma e nada mais justo, língua é história, e não dá para impor língua, ela escorrega, mistura-se, transforma-se, senhores, mas não se força, os romanos já sabiam disso...

Mas bem, agora me dirão que são eles que querem se impor. Tudo bem, concordo, pois nessa história ninguém está fazendo a coisa certa, nem um nem outros.
E nesta altura do campeonato me perguntarão: mas você está defendendo o terrorista, a organização, os separatistas? Se realmente me perguntam isso é porque não entenderam nadica de nada... O que defendo é um debate mais profundo, menos senso comum, menos discussão de vizinhos, menos bobagens sem sentido. Claro que quem mata inocentes tem que receber sansões sociais. Claro que chantagens públicas não podem ser métodos de luta alguma. Claro que o terrorismo é abominável e inaceitável em qualquer situação (e aqui há que diferenciar bem revolução, guerrilha, e outros métodos, que não têm nada a ver com terror).
Mas defendo, acima de tudo, uma certa justiça mais complexa e que não é essa que está vigente.
Bethania Guerra.

Madrid, 8 de março de 2007